Solo: Preservar é a única solução, por Aluísio Granato de Andrade
Postado em 27/02/2018
Com o decorrer do uso da mecanização na agricultura e, principalmente, com a adoção de práticas como a aração e gradagem, sulcamento, encanteiramento ou plantio, realizados morro abaixo, os problemas causados pela erosão se agravaram. Buscando conter o avanço desses problemas na região Sul do Brasil, foram adotadas práticas mecânicas, como o terraceamento, sendo também incentivado o cultivo em nível ou em faixas. No início da década de 1870 é que se percebeu a importância de manejar adequadamente o solo, evitando expô-lo a ação devastadora das chuvas torrenciais, assim como a relevância da microbacia hidrográfica como unidade natural de planejamento conservacionista.
Dentre os fatores responsáveis pela sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola, o solo é considerado um dos mais importantes. A fina camada que recobre a superfície da terra e que levou bilhões de anos para se formar pode ser perdida em poucos anos pela erosão ou se tornar improdutiva, dependendo do uso e das práticas de manejo adotadas.
A escolha de culturas em desacordo com a aptidão agrícola das terras, junto ao uso de práticas inadequadas de manejo do solo e ainda a falta de aplicação de práticas de conservação de solo e água pode levar a perdas de mais de 100 toneladas de solo/ha/ano. Em muitas situações, simplesmente ao mudar algumas técnicas de cultivo pode-se reduzir essas perdas para menos de 10 t/ha/ano, e pode-se chegar a menos de 1 t/ha/ano em áreas bem manejadas, se aproximando do que ocorre normalmente em solos sob vegetação preservada.
A maior parte das terras sob uso agropecuário no país estão ocupadas com pastagens. Estas, em geral, quando são formadas e manejadas com técnicas adequadas não acarretam perdas significativas por erosão (0,5 t/ha/ano), devido a serem eficientes coberturas do solo. Mas, considerando a baixa frequência da renovação das pastagens cultivadas no Brasil e sua grande extensão territorial (172,3 milhões de hectares), e, ainda o uso frequente do fogo e da aração morro abaixo, a falta e/ou a aplicação incorreta de adubos corretivos e o uso de espécies forrageiras e de taxas de lotação animal não recomendadas, verifica-se uma expansão de áreas com pastagens degradadas, que podem chegar a mais de 30 milhões de ha somente na região dos cerrados. Considerando outros usos, estima-se que no país mais de 140 milhões de ha de terras apresentam algum problema relacionado a degradação. Essas áreas podem ser encontradas em todos os biomas e regiões do país, sob variadas condições pedo ambientais e socioeconômicas. Compreendem áreas abandonadas, mal utilizadas e/ou com processos erosivos, com baixa produtividade e perda de resiliência, com comprometimento dos mecanismos de regeneração natural. Neste sentido se faz necessária uma série de ações preventivas.
Para se evitar a degradação das terras e contribuir para o desenvolvimento de sistemas de produção agrícola sustentáveis é necessário planejar o uso e adotar práticas de manejo e conservação do solo e da água de acordo com as fragilidades e potencialidades dos recursos naturais da propriedade rural. Sendo necessário aplicar o planejamento conservacionista da propriedade rural, levando em consideração as seguintes orientações:
– Adequação da propriedade rural à legislação ambiental e preservação e recuperação das áreas de preservação permanente;
– Divisão da área agricultável em glebas (zonas de manejo) o mais homogêneas possível de acordo com as seguintes principais características: relevo, topografia, cobertura vegetal, solos (caso não se tenha um mapa de solos em escala adequada ao tamanho da propriedade, observar principalmente a cor, textura expedita, estrutura e espessura dos horizontes diagnósticos superficiais e subsuperficiais e profundidade efetiva de raízes) uso atual, produtividade das culturas Solo compactado à esquerda impossibilita absorção de água, ou pastos degradados mostram outros tipos de problemas, como formigueiros e cupinzeiros. Plantios devem ser feitos em nível (quando existentes) e histórico de exploração, adoção de práticas conservacionistas, grau de degradação ambiental do solo (principalmente inspeções visuais relacionadas ao tipo e a frequência dos processos erosivos), tamanho do talhão, distância dos recursos hídricos (em caso de áreas irrigáveis) e/ou de estradas, entre outros aspectos relevantes;
– Diagnóstico detalhado do estado de conservação e/ou degradação do solo em cada uma das zonas de manejo visando caracterizar e dimensionar os processos erosivos e a presença de resíduos (restos de culturas, corretivos e/ou fertilizantes, dejetos de animais, embalagens de agrotóxicos, sacos plásticos etc.). Nesta etapa recomenda-se também avaliar a taxa de infiltração de água no solo e a ocorrência de camadas compactadas, coletar amostras de solo para avaliação da granulometria e da fertilidade (análise de rotina com inclusão de carbono) e descrever a cobertura vegetal natural e/ou o uso atual e as práticas de manejo existentes;
– Escolha de culturas e plantas de cobertura de acordo com a aptidão agrícola das terras, exigências climáticas das culturas e demandas de mercado;
– Seleção de práticas de conservação de solo e água (terraceamento, cultivo em nível, rotação e/ou consórcio de culturas, cultivo em faixas, plantio direto, implantação de cordões vegetados etc.), de formas de aplicação de adubos e corretivos, de controle integrado de pragas e doenças e de aproveitamento de resíduos.
Quanto mais degradada é a área, maior a necessidade de aplicação de insumos e tecnologias. É importante considerar para a escolha das práticas mecânicas, edáficas e vegetativas, além do nível de degradação, o uso pretendido, os equipamentos, mão de obra e insumos disponíveis.
Em síntese, a falta da aplicação de práticas conservacionistas de uso e manejo do solo provoca a redução da infiltração e do armazenamento de água no solo. Consequentemente, em períodos de menor precipitação ocorre uma menor disponibilidade de água no solo não conservado em comparação com o solo bem manejado. Isto acarreta uma diminuição da tolerância das culturas a períodos de estresse hídrico e do tempo de retenção da água no solo sob condições de manejo inadequado. Já sob condições de excesso de chuvas ou após tempestades, o solo degradado acarreta um maior assoreamento dos corpos hídricos em relação ao solo conservado, gerando enchentes em áreas ribeirinhas e redução da vida útil dos reservatórios. O que prejudica a produção de energia hidroelétrica e acarreta ainda aumento nos custos para o tratamento de água para o abastecimento urbano devido a maior quantidade de sulfato de alumínio que é necessária para a decantação dessa maior quantidade de partículas de solo na água.
Atualmente, as ações de conservação de solo e água e recuperação de áreas degradadas encontram-se dispersas em alguns programas de governo, sendo o programa de Microbacias, que existe em alguns estados da federação, o mais afeto ao tema, mas contempla também outras ações de desenvolvimento rural e não aborda com ênfase a questão de formas e estratégias de se evitar a degradação e de reinserir terras degradadas ao sistema produtivo.
Considerando que a erosão acelerada devido ao mau uso do solo é um dos principais fatores responsáveis pela degradação dos recursos hídricos e a maior parte das terras degradadas no país está ocupada com pastagens, é essencial estruturar um programa para reinserir estas áreas ao sistema produtivo. Seja para uso como pastagem novamente, ou em consórcio, rotação ou sucessão com outras culturas, visando o aumento da geração de renda para o produtor e a prestação de serviços ambientais para toda a sociedade, especialmente armazenamento de água e carbono no solo. São muitos os desafios a serem enfrentados para se iniciar um programa dessa natureza. Entre estes vale destacar:
– grande extensão de terras com pastagens em diferentes níveis de degradação dispersas em todos os biomas;
– carência de indicadores eficientes para definição de limites de níveis de degradação de pastagens;
– falta de metodologia para o mapeamento de níveis de degradação de pastagens através da interpretação de imagens orbitais para os diferentes biomas brasileiros;
– necessidade de se desenvolver e/ou adaptar tecnologias para recuperação de terras sob variados níveis de degradação de pastagem para produção agropecuária sustentável e prestação de serviços ambientais;
– desconhecimento dos investimentos necessários e também das oportunidades para o recebimento de incentivos financeiros para a reinserção de terras com variados níveis de degradação de pastagem para produção agropecuária sustentável e prestação de serviços ambientais;
– falta de dados consistentes sobre os benefícios econômicos e ambientais que podem ser obtidos com a transformação de terras degradadas em terras produtivas, podendo inclusive evitar ou, pelo menos, reduzir o avanço da fronteira agrícola e o consequente desmatamento.
Fonte: noticiasagricolas